A soja no palco dos riscos e conflitos ambientais
Elaine de Azevedo
Nutricionista, doutora do Programa de Sociologia Política (CFH/UFSC)
Membro do Núcleo Interdisciplinar em Sustentabilidade em Redes Agroalimentares
(NISRA/UFSC)
Resumo
O presente artigo discorre sobre a questão dos riscos e conflitos, um dos temas centrais da alta modernidade, focando a área da Nutrição, na perspectiva da soja. Os objetivos desse trabalho são analisar de que forma o conceito da soja como alimento saudável vem sendo socialmente construído frente aos desafios das divergências científicas que o circundam e também explorar a fronteira de conflitos e riscos na qual a soja parece transitar.
O conceito de alimento saudável e seguro navega entre os mais diferentes e controversos tipos de dietas, produtos e contextos e é perceptível, no âmbito da ciência da Nutrição e da saúde, o convívio com as dúvidas do que é um alimento com tais qualidades. Até mesmo o senso comum
leigo percebe que as orientações nutricionais estão cada vez mais contraditórias. A cada dia, surgem novos estudos questionando ou contradizendo práticas alimentares que se estabeleceram como saudáveis ao longo do desenvolvimento da ciência da Nutrição.
E porque a soja? O seu consumo tem aumentado significativamente e a leguminosa está presente em mais da metade dos alimentos processados e industrializados da nossa dieta cotidiana.
Percebemos no meio científico uma grande quantidade de pesquisas realizadas nos últimos anos que estimulam o consumo de soja e apontam seu valor nutracêutico e nutricional. Tais pesquisas surgem ao mesmo momento em que muitos governos e grandes corporações de alcance mundial estimulam o cultivo e produtores lidam com grande quantidade de excedente de grãos de soja no mercado interno e internacional.
A controvérsia (e os riscos) aparece porque existem também pesquisas científicas que questionam o consumo da soja para o ser humano e contra-indicações ao consumo regular de soja não-fermentada; isto é, na forma de grão, proteína texturizada e extrato de soja. Tais restrições surgiram dentro da cultura alimentar dos antigos chineses. Esse povo consumia regularmente soja como vagem verde (ededame) ou fermentada, na forma de misso, shoyo, natto e tempeh, e usavam o grão para adubação verde. Atualmente, já existem pesquisas científicas que apóiam essas restrições mostrando que a ingestão da soja não-fermentada é desaconselhável devido à presença de fatores antinutricionais desativadores de enzimas e inibidores de crescimento, naturalmente encontrados no grão. Além disso, mais recentemente, estudiosos alertam que doses elevadas de fitohormônios presentes nas fórmulas infantis a base de soja estimulam uma ação estrogênica natural, que pode afetar, especialmente, os neonatais masculinos e que esses hormônios podem causar problemas na tireóide e câncer.
Existem pesquisas científicas que questionam o consumo da soja para o ser humano. Tais pesquisas demonstram que a ingestão da soja não-fermentada é desaconselhável devido à presença de fitatos e oxalatos, fatores antinutricionais desativadores de enzimas e inibidores de crescimento, naturalmente encontrados no grão. Estudos de Liener e colaboradores de 1986, 1988, 1995 e 1996 sinalizam a relação da soja e seu fator antitripsina a disfunções como hiperplasia e formação de nódulos no pâncreas. Pesquisas de Fort (1990), Ishizuki (1991), Chorazy (1995), Jabbar (1997), Divi (1997) e suas equipes identificaram a isoflavona como um potencial agente na etiologia das disfunções da tireóide em crianças. Outros estudos como o de Keung (1995), Cline et al (1996) e Cassidy et al, (1994) sugerem que a isoflavona inibe a síntese do estradiol e de outros hormônios esteróides e podem causar distúrbios hormonais. Além disso, especialistas alertam que fitohormônios presentes nas fórmulas infantis à base de soja estimulam uma ação estrogênica natural que pode afetar especialmente os neonatais masculinos, particularmente vulneráveis a ação dessas substâncias (IRVINE, 1988; SECHTELL, 1998; FITZPATRICK, 2000). Parecem existir ainda mais controvérsias em pesquisas no campo da soja e câncer de mama. Enquanto alguns estudos como o de Do et al (2007) e Lamartiniere (2000) mostram que a soja oferece um efeito protetor contra câncer de mama, outros mostram que os efeitos estrogênicos da isoflavona pode ser pernicioso para mulheres com propensão a esse tipo de câncer hormônio dependente (NISHIO et al, 2007; PETRAKIS et al, 1996; LEE et al, 1991).
Collins e Pinch (2003) ressaltam que a pergunta “em quem acreditar?” não leva a lugar nenhum, pois ela trata somente de cientistas em desacordo. Para tomar uma decisão sobre ingerir ou não soja (ou qualquer outra decisão que exija bases cientificas), o leigo precisa ter conhecimento suficiente sobre questões técnicas. Entretanto, na maioria das vezes esse conteúdo é de difícil compreensão para quem não é perito na área. O que o leigo precisa realmente conhecer são as relações entre especialistas, os políticos, a mídia, os bastidores da ciência, como tentamos explorar. Ai então sua escolha é possível e mais consciente.
A pesquisa em soja é mais um exemplo de debates não solucionáveis e esse artigo aponta que isso faz parte da ciência e seus bastidores. Concordamos com Irwin e Beck que mais ciência não pode resolver esses impasses e que a informação que precisamos “não é sobre o conteúdo da ciência, é sobre a relação entre os especialistas e o político, os meios de comunicação e o público” (COLLINS; PINCH, 2003, p. 196). Precisamos reconhecer a ciência como um processo social como Irwin (2001) ressalta, um processo que inclui relações entre cientistas, origens institucionais e interesses diversos em tornar um tema relevante ou irrelevante.
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